A atualidade do pensamento de John Hughes
- Igor Oliveira
- 1 de nov. de 2017
- 4 min de leitura

Há uns 2 meses participei de um evento na USP, e saindo de lá vi um cartaz de divulgação de uma palestra que me chamou a atenção: “A atualidade do pensamento de Antonio Gramsci”. Já deu pra vocês notarem que eu não vou falar do Gramsci, mas o título da palestra me deu o estalo que faltava pra a chamada deste post, que eu já pensava em escrever faz tempo. Me diverti com a ideia, porque esses colóquios das humanidades sobre pensadores de outros tempos sempre tem essa proposta de mostrar o quanto suas ideias podem e devem ser retomadas, pra se discutir o presente. John Hughes estava longe de ter qualquer pretensão acadêmica ou erudita, mas precisa e deve ser retomado, porque continua atualíssimo.
Diretor de alguns dos filmes mais populares dos anos 80, Hughes queria era fazer entretenimento do bom (algo que tolamente a maior parte das academias tende a desconsiderar como material de estudo), sem no entanto deixar de escancarar alguns comportamentos sociais dos mais retrógrados, e que infelizmente persistem até hoje. Revi recentemente O Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado, e o barato todo de querer escrever sobre o assunto é por conta de ter retomado os filmes de Hughes pela primeira vez depois de eu ser pai. A ideia aqui foi olhar pra esses dois filmes a partir dessa perspectiva, lembrando inclusive de alguns episódios ocorridos com meu filho e filhos de amigos.
O Clube dos Cinco
A história do sabadão que Andrew, Brian, Claire, John e Allison passam na escola como punição por má conduta vocês já conhecem bem, certo? Enquanto Hughes desenvolve de forma espetacular a aproximação desses personagens, uma pergunta que o espectador fica se fazendo é o porquê deles estarem ali. O que foi que cada um fez pra merecer a punição? Quase no fim a gente acaba sabendo, na seção de desabafo da turma, que é um dos melhores momentos do filme. O que Hughes tá jogando na nossa cara, no entanto, é que quando a gente não ataca a causa raiz do comportamento não adianta punir a consequência.
Recorrentemente o diretor projeta essa crítica nos algozes patéticos que são os ‘vilões’ dos seus filmes. Em O Clube dos Cinco quem cumpre o papel é o vice diretor da escola, Richard Vernon (Paul Gleason), que escancara em forma de pequeno poder a frustração de ter que perder seu sábado pra estar ali cuidando dos infratores.

Curtindo a Vida Adoidado
Mais patético ainda que Richard Vernon, é Ed Rooney (Jeffrey Jones). Sua obsessão por desmascarar Ferris Buller em Curtindo a Vida Adoidado, chega no nível das comédias pastelão, e o sujeito termina o filme em uma situação miserável. Pra você que tá aí achando que eu estou fazendo apologia à prática de matar aula, experimente voltar pra frente da TV e colocar o filme pra assistir. Assim como em O Clube dos Cinco vocês vão ver que tem bem mais em jogo do que o ‘day off’ do Ferris. Isso fica evidente na figura do amigo do protagonista, Cameron Frye, o personagem mais interessante do filme.

Frye vive reclamando, tentando entender por que não consegue ser como Ferris. Uma das transgressões que os caras cometem, como vocês lembram, é saírem com o a Ferrari do pai de Cameron. Quando retornam com o carro, os rapazes fazem todo um esquema pra tentar voltar a quilometragem para o patamar em que estava antes. O processo não funciona, pelo contrário, dá tudo errado e os caras conseguem destruir o carro. Putz, o pai de Cameron vai matar ele, mas que bom que não é isso que a gente vê. O que fica é o momento da libertação de Cameron, libertação dom medo do pai e da obsessão de querer ser como Ferris. Um final sensacional.
As redes sociais ‘democratizaram’ a voz de todo mundo, e o que tem de gente falando asneira por lá não está escrito (o pior é que está, literalmente). Não buscam checar informação, contexto, etc. Frases de efeito são tomadas com o viés que o ‘compartilhador’ desejar, e muito disso é, no calor do momento, propagado por adolescentes e jovens. Mas antes de reclamar que eles só falam merda na internet, será que estamos ouvindo eles quando realmente importa? Faço aqui meu mea culpa. Quando estava na casa dos 30 anos tinha uma mania besta de dizer que isso ou aquilo era culpa da juventude, bla bla bla. Hoje, mais perto (bem perto!) dos 40 e com um filho de 10 anos, fico feliz de ter mudado minha perspectiva sobre isso.

Os filmes de John Hughes são sobre ouvir os adolescentes genuinamente, tentando nos colocar no lugar deles. Empatia básica posto que todos já passamos por essa fase, certo? Não, na prática não é assim que funciona, infelizmente. Na edição em blu-ray de 30 anos do aniversário de O Clube dos Cinco, lançada por aqui em 2015, tem um documentário de quase 1 hora sobre o filme, Hughes, o elenco. Não me lembro agora quem, mas um dos entrevistados pontua bem, que na adolescência pensamos que o que acontece conosco, por mais trivial que seja, é a coisa mais importante do mundo. Nenhum problema nisso, todo adolescente é assim. O que importa é o que os chamados ‘adultos’ que estão por perto fazem em relação a isso. Viva John Hughes!
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