Pantera Negra (com spoilers)
- Igor Oliveira
- 15 de fev. de 2018
- 5 min de leitura

Wakanda para sempre! E o Rei T’challa acaba de inaugurar o cinema de super-heróis de 2018 com o pé na porta. Pantera Negra é um filme visualmente espetacular, divertido na medida certa, sério sempre que precisa ser, e tem algumas das mensagens mais contundentes entre todos os filmes do Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Se encaixa bem na história que já vem sendo contada há 10 anos, mas se sustenta muito bem como um filme independente. A sensação é de que não dava pra pensar em uma história melhor pra preceder Vingadores: Guerra Infinita, que chega aos cinemas brasileiros em 26 de abril.
Filme de origem, sem ser de origem
Seguindo os acontecimentos de Capitão América: Guerra Civil, T’challa (Chadwick Boseman) retorna para assumir o trono de Wakanda, após a morte de seu pai no ataque terrorista arquitetado pelo Barão Zemo. Há uma cerimônia de posse, e nesse momento é permitido que desafiantes confrontem o rei pelo trono. T’challa vence o desafio contra M'Baku (Winston Duke), chefe da Tribo Jabari, opositora aos demais grupos wakandianos que aceitaram o reinado da família do primeiro guerreiro Pantera Negra. Como o Pantera Negra já fora muito bem apresentado em Guerra Civil, podemos dizer que temos um filme de origem sem ser filme de origem. Começa a jornada pessoal de T’challa, mas a gênese de Wakanda e do Pantera Negra é contada em uma breve introdução em animação, ao melhor estilo das boas histórias de mitologia.
Rei posto, T’challa recebe da general da sua guarda, Okoye (Danai Gurira), a notícia de que há uma possibilidade de captura de Ulysses Klaue (Andy Serkis), inimigo número 1 de Wakanda por ter roubado parte do vibranium do reino, metal indestrutível que é a principal riqueza dos wakandianos e os possibilita estarem tecnologicamente avançadíssimos em relação ao resto do mundo. A gente já tinha visto Klaue em Vingadores: Era de Ultron, e é muito bom ver Andy Serkis mais uma vez atuando sem estar por trás da computação gráfica. No novo filme, no entanto, Klaue está acompanhado por um novo aliado. Erik Killmonger é um soldado de black ops com o passado ligado a Wakanda, e que quer voltar ao país para destronar T’challa. Está aí, basicamente, o enredo do filme. Agora vamos aos pontos que fazem de Pantera Negra o filmaço que é.
Wakanda é mais perto do que a gente imagina

Já era de se esperar, tanto pelos trailers quanto pela Wakanda das HQs, que as locações do filme seriam um destaque. A maior parte das cenas internas do reino foram filmadas nos estúdios Pinewood, em Atlanta; uma das principais locações do filme, a encosta da montanha com a queda d’água onde acontecem os rituais de desafio do rei, rolaram nas Cataratas do Iguaçu, localizadas na fronteira entre o Brasil e a Argentina. Esses momentos dos desafios, inclusive, são fundamentais pra criar a experiência cultural dos wakandianos, e são belíssimos em termos de musicalidade e expressão corporal.
A missão de captura de Ulysses Klaue acontece em Busan, na Coréia do Sul, e foi filmada na própria cidade. Como se trata de uma sequência de ação, das boas por sinal, um dos principais destaques da locação é a ponte Gwangan Diamond, toda iluminada, já que a ação se passa à noite. Os subterrâneos de Wakanda, onde está a mina de Vibranium, embora predominantemente criados em computação gráfica, também estão incríveis.
Todo o poder para as mulheres

T’challa está cercado de mulheres poderosas que desempenham papéis importantes na trama. Okoye (Danai Gurira) é a general da guarda de elite de Wakanda, as Dora Milaje. Vê-las lutando é incrível, vão por mim, especialmente Okoye. Lupita Nyong'o interpreta Nakia, uma espiã que é designada para missões fora do país e é o par romântico de T’challa. Na família real destacam-se Ramonda (Angela Bassett), a mãe de T’challa, e Shuri (Letitia Wright), sua irmã. Para Shuri vale uma menção mais demorada porque achei ótima a caracterização. Nos quadrinhos a personagem não tem a pegada de inventora, de cuidar dos gadgets do Pantera, e nem a relação deles é como no filme. Mas achei que funcionou bem o tratamento entre os dois ser um alívio cômico, porque é na medida certa, e o lance dos gadgets também. Antes de partir pra missão de capturar Klaue, T’challa passa no laboratório de Shuri para conhecer as novas invenções da irmã, em uma referência divertidíssima a Q e James Bond.
Ritos e tradições

Alguns dos melhores momentos do filme retratam os rituais e tradições dos wakandianos. Quando T’challa assume o trono, é submetido a uma imersão em um tanque de areia de cor avermelhada e ingere a erva que contem minerais provenientes do vibranium. O clímax do ritual é um encontro do personagem com seu pai, T’chaka, no plano astral, o que possibilita uma última conversa dos dois, que possibilita a T’challa seguir em paz sua jornada. Quando Killmonger reivindica o trono de Wakanda e derrota T’challa temporariamente, também passa pelo mesmo ritual, mas a conversa acontece no apartamento em que o pai foi morto, o que tem um significado bastante importante para contrapor a jornada do herói com a do vilão. A construção de Killmonger como vilão, inclusive, é muito bem trabalhada no filme. Embora o início da sua jornada para o mal tenha sido deflagrado por T’chaka, ao matar seu pai, são suas próprias escolhas que o definem, e o diferem de T’challa.
Oakland, CA – Onde tudo começou

Pantera Negra começa na cidade de Oakland, na Califórnia, com um acontecimento, num momento passado em relação ao presente do filme, relacionado à realeza de Wakanda, e que é fundamental para a narrativa. Oakland é a cidade natal do diretor Ryan Coogler, que é negro, e com o filme conseguiu compor o maior elenco negro num filme de super-heróis até hoje. A cidade também é o berço do movimento dos Panteras Negras, que no final dos anos 60 levantou-se para combater o racismo e a violência contra os negros, praticada deliberadamente pela polícia local. O movimento se espalhou pelos Estados Unidos e até hoje é reconhecido como um dos mais importantes grupos de resistência popular da história.
O personagem Pantera Negra estreou nos quadrinhos em 1966, e o movimento popular começou um pouco depois. Embora não haja influência direta de um em relação ao outro, e vice-versa, o momento histórico foi o estopim para que ambos surgissem. A luta pelos direitos civis estava cada vez mais forte nos EUA, e Malcolm X fora assassinado em 1965. Hoje, mais de 50 anos depois da primeira aparição do Pantera na revista do Quarteto Fantástico, um filme protagonizado pelo personagem tem importância em termos de representatividade, compõe o Universo Cinematográfico Marvel com muita competência, e é uma baita aventura que você tem que assistir. Vida longa ao Rei T’challa!
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PS - Só uma última menção pra não me alongar muito mais: da trilha sonora, a maior repercussão tem sido em relação à curadoria e as composições de Kendrick Lamar, mas fiquem atentos à música orquestrada também, que é fundamental nos momentos mais solenes e foi responsabilidade de Ludwig Göransson, que já trabalhou com o diretor Ryan Coogler em Creed e Fruitvale Station.